Othon Bastos não se entrega, não!
- Ney Junior
- 1 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 6 dias

Aos 92 anos, o ator Othon Bastos encena Eu não me entrego, não, um monólogo biográfico, com direção de Flávio Marinho, onde relembra seus mais de 70 anos de carreira e momentos importantes de sua vida. Além do ator, a atriz e bailarina Juliana Medela participa como Memória, uma espécie de assistente real e virtual de Othon, que detalha situações e referências citadas durante o espetáculo.
A partir de mais de 600 páginas de relatos que o ator entregou ao diretor da peça, desenvolve-se o enredo, que transcende a biografia, mas ressalta a percepção de Othon Bastos perante a vida. Desde o nascimento em Tucano, interior da Bahia, a ida para o Rio de Janeiro ainda criança e os primeiros contatos com a arte, na escola. Ainda adolescente, o futuro ator chegou a ser desaconselhado pela professora de Literatura a trabalhar com arte, pois, segundo ela, não levava o menor jeito. Isto levou-o a alimentar o sonho de ser dentista.
A paixão pelo teatro como escolha de vida
O tempo passou e, mesmo contrariado, ajudou seu amigo Roniquito de Chevalier (1937-1983), em montagens de peças, e estreia, como assistente de cenografia, de iluminação e sonoplastia, na companhia teatral de Paschoal Carlos Magno (1906-1980), no Teatro Duse, no bairro carioca de Santa Tereza. Em bate-papo com a personagem Memória, divertem-se ao recordarem as dificuldades iniciais de assumir-se como um ator profissional, em 1951.
Rumou a Londres entre 1956, onde atuou como figurante e foi aconselhado pelo ator e diretor Sérgio Viotti (1927-2009) a voltar ao Brasil para utilizar suas experiências no teatro brasileiro. Na volta, a partir de 1957, encenou clássicos de grandes autores e dramaturgos, como Anton Tchekov (1860-1904), Bertold Brecht (1898-1956), Gianni Ratto (1916-2005) e Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006).
No início dos anos 60, volta à Bahia e funda a Sociedade Teatro dos Novos, com estudantes dissidentes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ajuda a construir o Teatro Vila Velha, foco da contracultura, da Tropicália e da resistência cultural. Lá, conhece a atriz Martha Overbeck, atriz e sua esposa há mais de 60 anos. Mudam-se para São Paulo, a convite de Zé Celso Martinez Correa (1937-2023), o idealizador e diretor do Teatro Oficina, onde encenou O Rei da Vela, da obra de Oswald de Andrade (1890-1954). Em 1971, montam a sua própria companhia de teatro.
Um Grito Parado no ar (1973, de Fernando Peixoto) - onde venceu os prêmios ABCT e Molière de melhor ator -, Caminho de Volta (1974, de Consuelo de Castro) e Murro em Ponta de Faca (1978, de Augusto Boal), são peças que Othon relembra da dificuldade de encenar nos tempos de censura da Ditadura Militar.
Uma trajetória marcante no cinema brasileiro

A estreia no cinema foi como "um repórter, sem nome próprio", como o mesmo relata no palco, no premiado O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte (1920-2009), vencedor da Palma de Ouro, em Cannes, e indicado ao Oscar de Melhor Filme.
Sua atuação em Eles Não Usam Black-Tie, no teatro, motiva o diretor Glauber Rocha (1939-1981), o fundador do Cinema Novo, baiano como Othon, a procurá-lo para ser o ator principal de Deus e o Diabo na Terra do Sol, em 1964. Interpreta de maneira vigorosa o cangaceiro Corisco e o público cinematográfico brasileiro conhece o seu talento.
Em 1968, encena Bentinho, do clássico literário de Machado de Assis (1839-1908), Dom Casmurro, dirigido por Paulo Cesar Sarraceni (1932-2012). Em 1970, o filme Os Deuses e os Mortos, de Ruy Guerra, lhe proporciona o primeiro prêmio no cinema: Melhor Ator no Festival de Cinema de Brasília. Dois anos depois, reencontra Glauber Rocha em O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro.
Em 1973, como Paulo Honório, protagonista de São Bernardo, adaptado do livro de Graciliano Ramos (1892-1953), com direção de Leon Hirszman (1937-1987), conquista o Kikito de Melhor Ator no Festival de Cinema de Gramado, em 1974. Nos anos seguintes, emprestou sua voz firme a nada menos foi que vinte filmes e documentários. Como ator coadjuvante, atua em filmes como Central do Brasil (1998), Bicho de Sete Cabeças (2000) e Zuzu Angel (2005). Destaca-se, novamente, em O Paciente - O Caso Tancredo Neves (2008) e Heleno de Freitas (2011).
Na televisão, a extensão de sua arte
Na televisão, atuou em novelas de destaque como Mulheres de Areia (a primeira versão, de 1973), Roda de Fogo (1978) e Aritana (1979), na TV Tupi. Na Globo, estreia como o contraventor Ronaldo, em Roque Santeiro (1985), além de diversas tramas de época, nove episódios do extinto Você Decide (1992-2000) e participações em séries como Tereza Batista (1992), Agosto (1993) e Aquarela do Brasil (2000).
No SBT, foi, junto com Irene Ravache, protagonista da versão de 1994 de Éramos Seis e das reedições de Sangue do Meu Sangue (1995) e Ossos do Barão (1997). Na TV Manchete, participou de Brida (1998), a última produção de dramaturgia no canal do Grupo Bloch.
Mesmo com toda esta história no cinema e na televisão, Othon prefere o teatro, onde sente-se mais autoral e orgânico e, aos 92 anos, e encerra o seu biomonólogo com a frase que imortalizou em Deus e o Diabo na Terra do Sol: - Eu não me entrego não!
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